Crianças selvagens são crianças que logo a partir dos primeiros anos de vida passaram a viver em completo isolamento da sociedade; são crianças que depois de pouco tempo de vida se perdem da sociedade, vivem como animais, não falam e não andam como pessoas normais. Tais histórias se originaram de relatos relativamente comuns no século 18, que descreviam crianças encontradas no campo, tidas como sobrevivido por circunstâncias especiais, desde os primeiros anos de vida, criadas por animais sem contato com humanos e assim se tornando selvagens.
Uma das referências mais conhecidas provem do filósofo e estadista Jean-Jacques Rousseau publicada como nota em seu livro “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens”, em 1754. Nesse livro, Rousseau ao se referir à origem do homem e distinções deste primeiro homem e animais, cita os relatos de quatro crianças: um de 1344, uma criança encontrada em Hesse, na corte do príncipe Henrique; o de uma criança encontrada entre ursos nas florestas da Lituânia, em 1694, que afirmava não que ela apresentava nenhum sinal de razão: ”caminhava com pés e mãos, não possuía nenhuma linguagem e formava sons que nada se assemelhavam aos do homem”; e finalmente o caso do “pequeno selvagem” de Hanôver estudado na Inglaterra; e os dois selvagens dos Pirenuus encontrados em 1719. Todos eles incapazes da postura bípede como comenta.
Muitos casos e muitas lendas...
Segundo o antropólogo Lévi-Strauss, essas pessoas correspondem a anormais congênitos, em que se nota muito claramente terem sido abandonados por essa causa e não desenvolvido essas características de “imbecilidade” (termo da época) por causa do crescimento isolado de toda influência social.
Esse autor nos dá ainda o exemplo recente dos meninos-lobo encontrados na Índia em 1911 que nunca chegaram a alcançar o nível normal. Um deles – Sanichar – jamais pôde falar mesmo adulto. Segundo Kellog, duas crianças foram encontradas juntas, uma delas viveu até os seis anos e desenvolveu um vocabulário de cerca de cem palavras e correspondia a uma idade mental de dois anos e meio; o outro, como referido jamais chegou a falar. Cita também um relatório de 1939 de uma criança encontrada na África do Sul em 1903, que ficou conhecida como criança-babuíno; apresentava uma idade aproximada entre 12 e 14 anos e uma inteligência correspondente à idiotia. Em ambos os casos as circunstâncias da descoberta eram duvidosas.
Em 2008, após a divulgação do livro francês que se tornou best-seller “Vivendo com lobos”, que falava dos casos de fraudes envolvendo crianças-selvagens, houve enorme debate acadêmico sobre isso. De acordo com o autor, essas crianças não eram somente “selvagens”, mas também deficientes física e mentalmente e por isso não conseguiam desenvolver-se de maneira satisfatória como a sociedade “normal”.
Além disso, o autor revela que durante a Idade Média era muito comum os pais abandonarem crianças nas florestas para que estas fossem devoradas por ursos ou lobos, pois a pobreza era tão grande que não havia como sustentar uma família numerosa em tempos que não havia métodos contraceptivos. Assim, as crianças que sobreviviam a todas essas intempéries adquiriam comportamentos como os dos índios americanos, totalmente incomuns para os padrões europeus e por isso chamadas de “selvagens”.
Ainda de acordo com o cirurgião francês Serge Aroles, que escreveu um estudo geral sobre crianças selvagens em 2007, com base em arquivos, quase todos estes casos são fraudes escandalosas ou histórias totalmente fictícias.
Alguns relatos mais famosos de crianças-selvagens...
Talvez o relato mais famoso de crianças-selvagens tenha sido o mito da criação de Roma, quando os gêmeos Rômulo e Remo foram amamentados e criados por uma loba enquanto padeciam na floresta próxima a Roma; mas isso é mitologia. Nos cinemas temos os casos de Mogli, o menino-lobo, outra anedota, e Tarzan, também obra da ficção.
- Crianças-lobo de HESSIAN: ocorrências de crianças-selvagens nos anos de 1304, 1341 e 1344. De acordo com os especialistas, foram menores de idade abandonados por suas famílias à própria sorte na floresta por serem doentes mentais e, portanto, não servirem para trabalhar no feudo onde nasceram.
- Menino de Bamberg: caso com poucos relatos, que aconteceu antes de 1500. De acordo com os relatos, esse menino cresceu entre bovinos e agia como uma vaca.
- Menino-ovelha: menino irlandês criado por ovelhas, relatado por Nichols Tulp, em seu livro de 1672. De acordo com Sergei Aroles, há provas de que esta criança tinha seríssimos problemas físicos e era exibido em um circo em troca de algumas moedas.
- Crianças-urso da Lituânia: casos ocorridos em 1657, 1669 e 1694 em que há relatos de que a rainha da Polônia tinha um arquivo contando os casos destas crianças que teriam sido abandonadas à própria sorte na floresta. Também de acordo com Sergei Aroles, os casos são falsos e escondiam casos de incesto. Houve apenas um menino, encontrado nas florestas na primavera de 1663 e levado Varsóvia.
- Garota de Oranienburg: caso supostamente registrado em 1717 em que se tem poucas informações e não é possível falar se é um fato ou uma farsa.
- Meninos dos Pirineus: caso de 1719, quando dois meninos foram encontrados abandonados nas florestas dos Pirineus, na Europa. Também é um caso pouco documentado e que não há como saber o que é fato ou farsa nele.
- Menino-selvagem de Hamelin: encontrado em 1724 na localidade de Hamelin, o garoto passou a ser conhecido por Peter. Uma criança deficiente mental, com anomalias da língua e dos dedos que consta como vivido apenas um ano na selva depois de ter sido encontrado; graças a essas anomalias, não conseguia andar nem falar, por isso era conhecido como criança-selvagem.
- Menina-selvagem de Champagne: chamada Marie-Angelique le Blanc, conhecida como menina-selvagem de Champagne foi encontrada em 1731 na floresta de Songny. Segundo antropólogos, que já revelou centenas de documentos relativos a esta menina, apesar de certas incoerências quanto a sua idade, origem étnica e localização da ocorrência, é o único caso e verdadeiro de uma criança ter sobrevivido dez anos nas florestas (entre novembro de 1721 a setembro de 1731), e a única criança-selvagem que conseguiu uma reabilitação intelectual completa, tendo aprendido a ler e a escrever.
- A garota-urso de Krupina, Eslováquia (1767). Segundo alguns autores, não se encontraram vestígios da sua existência real nos arquivos em Krupina.
- O adolescente de Kronstadt , de 1781. Segundo o documento escrito em húngaro publicado, é um caso de embuste: o menino, deficiente mental, tinha bócio e foi exibido por dinheiro.
- Victor de Aveyron (1797): muitos estudos compreendidos recentemente por psiquiatras e antropólogos dão provas de que este famoso caso analisado por Philippe Pinel e Jean Itard não correspondia a uma verdadeira criança-selvagem. Este caso é um dos clássicos envolvendo crianças-selvagens e já foi explorado demais pelo cinema e pela literatura de ficção.
- Amala e Kamala, as meninas-bicho da Índia: outro caso extremamente popular e clássico envolvendo crianças-selvagens em um assunto extremamente controverso. Encontradas em 1920 perto de Calcutá, de acordo com os etnólogos trata-se de uma escandalosa fraude relativa crianças-lobo: Amala, a mais jovem, morreu um ano após ser encontrada e Kamala era uma menina deficiente mental espancada com um pedaço de pau por seu tutor para obter o comportamento de suposto animal com fins de exposição. Ao que tudo indica, foram abandonadas na floresta por serem deficientes.
- O menino-lobo da Índia: Encontrado na localidade de Lucknow em 1954, segundo se dizia na vila, foi criado até os sete anos de idade por lobos e macacos. Entretanto, médicos mostraram que tudo não passava de um caso de fraude e embuste para que o tutor do menino ganhasse dinheiro dizendo que ele era a reencarnação de um suposto deus do panteão hinduísta.
- Criança-gazela da Síria: Segundo os estudos feitos, um rapaz com idade em torno de dez anos foi encontrado no meio de uma manada de gazelas no deserto sírio na década de 1950, e só foi capturado com a ajuda de um jipe do exército iraquiano porque ele podia correr a velocidades de até 50 quilômetros por hora. Típico boato, como são todas as crianças-gazela descritas.
- Criança-gazela do Saara: Caso de 1960, um menino-gazela teria sido encontrado no Saara Ocidental, descrito por Jean-Claude Armen. Depois de uma dura investigação de etnólogos e biólogos na região, o próprio autor da história disse que não se tratava de nenhuma descoberta antropológica mas um folclore da região que ele havia romanceado.
- Kaspar Hauser: talvez um dos casos mais bem documentados sobre crianças-selvagens no século 19. Trata-se de um adolescente de cerca de 15 anos encontrado nas florestas próximas a Nuremberg. Alguns dos créditos desse relato são os escritos do criminalista germânico Feuerbach autor da obra biográfica sobre esse menino-selvagem. A história de Kaspar Hauser já foi tema de uma postagem antiga deste blog e há várias teorias sobre a sua origem.
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