Exposição em que artista ficou 6 horas à mercê da audiência mostra como a humanidade é selvagem

A artista performática Marina Abramovic tinha apenas 28 anos quando realizou sua performance mais famosa, a “Ritmo 0”. A ação foi tão forte que em 2016, com 70 anos, ela ainda lembra em detalhes cada minuto das seis horas passadas à mercê da audiência.

“Eu não queria morrer, mas é interessante quão longe você pode levar a energia do corpo humano, quão longe você pode chegar e ver que a energia dela é quase ilimitada”, diz ela em vídeo para o Instituto Marina Abramovic.
 “O trabalho que mais chamou atenção do público foi o Ritmo 0. Até então, o trabalho do artista performático era considerado totalmente ridículo, doente, exibicionista e masoquista”.

Marina ficou cansada desse tipo de crítica em relação aos seus trabalhos anteriores, como o “Ritmo 5”, em que ela colocou fogo em uma grande estrela e deitou-se no espaço interior vazio, ou o “Ritmo 2”, em que ela tomou um comprimido para pacientes catatônicos na frente da audiência e teve espasmos por cerca de uma hora. “Vou fazer a peça para ver até onde o público vai se o próprio artista não fizer nada”, relembra a artista.
Assim, resolveu simplesmente não fazer nada por seis horas. Ela se colocou à disposição para que o público interagisse com ela das 20h até 2h da madrugada seguinte. Ela estava vestida e com um olhar vidrado, e em sua frente havia 72 itens que poderiam ser usados sem machucá-la, como penas, uvas, um pedaço de pão. Havia também objetos que infligem dor, como correntes, cordas, facas, tesouras, pregos e até uma arma carregada.

“Há 72 objetos na mesa que qualquer um pode usar em mim como desejar. Performance. Eu sou o objeto. Durante esse período eu me responsabilizo completamente. Duração: 6 horas”, dizia um recado em cima da mesa.
“Eu quis assumir esse risco, saber como o público era e o que eles fariam em uma situação assim”, explica.

Inicialmente os únicos a se aproximarem dela foram os fotógrafos. O público ficou mais atrás, inibido. Depois, alguns se aproximaram e interagiram de forma leve com ela, a abraçando, colocando as flores em seus braços. Depois, ela foi colocada sentada em uma cadeira, e foi aí que as humilhações começaram.

Ela teve sua blusa cortada, líquidos jogados em sua cabeça, palavras escritas em seus braços e correntes colocadas em seu pescoço.

“Eles cortaram meu pescoço e beberam meu sangue, eles me carregaram e colocaram em uma mesa. Uma pessoa colocou a arma na minha mão para ver se eu apertaria o gatilho. O galerista veio, tirou a arma das mãos do homem e a jogou pela janela”, relembra.
A audiência continuou com os abusos, espetando-a com os espinhos das rosas. Depois das seis horas, o galerista voltou e anunciou o fim da performance. Marina então finalmente olhou para seus agressores nos olhos e foi em direção a eles, que saíram correndo com medo do confronto.

“Eu comecei a ser eu mesma, porque eu estava como um fantoche só para eles. Nesse momento todo mundo correu. Eles não conseguiam me encarar como pessoa.”

O crítico de arte Thomas McEvelley, que observou a performance, comentou: “ela estava tão comprometida com a peça que ela não teria resistido a um estupro ou assassinato”.

Na época da peça, Marina escreveu: “esse trabalho revela algo terrível sobre a humanidade. Mostra como uma pessoa pode machucar você. Mostra como é fácil desumanizar uma pessoa que não se defende. Isso mostra que se há um palco, a maioria das ‘pessoas normais’, aparentemente, podem se tornar verdadeiramente violentas”. 

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