Povo Bajau “ciganos do mar” da Indonésia -> Mutação genética permite mergulho livre

Um novo estudo da Universidade de Copenhague (Dinamarca), em colaboração com a Universidade de Cambridge (Reino Unido) e a Universidade da Califórnia (EUA), descobriu que os Bajau, um povo que vive em partes da Indonésia, têm baços geneticamente aumentados que lhes permitem mergulhar livremente em profundidades de até 70 metros.

A descoberta foi publicada na revista científica Cell.

Resposta de mergulho
Se você prender a respiração e mergulhar o rosto na água, seu corpo acionará automaticamente o que é chamado de “resposta de mergulho”.

Sua frequência cardíaca diminuirá, seus vasos sanguíneos e seu baço se contrairão – essas reações lhe ajudarão a economizar energia enquanto você estiver com pouco oxigênio.

Anteriormente, foi levantada a hipótese de que o baço poderia desempenhar um papel importante ao permitir que seres humanos mergulhem livremente por períodos prolongados.

Essa relação – entre o tamanho do baço e a capacidade de mergulho – nunca foi examinada em indivíduos no nível genético, no entanto.

Agora, temos provas de que uma adaptação genética do tipo realmente ocorreu em seres humanos, tornando-os melhores em mergulhar.

Povo Bajau
Por mais de mil anos, o povo Bajau, conhecido como “nômades do mar” ou “ciganos do mar”, viaja pelos mares do sudeste asiático em casas flutuantes, coletando alimentos no oceano usando lanças.

Agora instalados nas ilhas da Indonésia, são famosos em toda a região por suas extraordinárias habilidades de mergulho e retenção de ar. Os Bajau podem mergulhar até 70 metros usando nada mais do que um conjunto de pesos e um par de óculos de madeira.

Como eles nunca mergulham competitivamente, não se sabe ao certo quanto tempo podem permanecer debaixo d’água, mas um deles disse à pesquisadora Melissa Ilardo que já havia ficado submerso por 13 minutos consecutivos.

Ilardo, a principal autora da pesquisa, suspeitava que os Bajau poderiam ter baços geneticamente adaptados como resultado de seu estilo de vida marinho, baseada em descobertas em outros mamíferos. Por exemplo, a foca-de-weddell tem um baço desproporcionalmente grande. O mesmo poderia ser verdade em seres humanos.

O estudo
A contração do baço cria um aumento de oxigênio pela ejeção de células vermelhas do sangue para a circulação. Estudos já descobriram que essa reação fornece um aumento de até 9% no oxigênio, prolongando assim o tempo de mergulho.

A fim de obter evidências para este estudo, Melissa Ilardo passou vários meses em Jaya Bakti, na Indonésia, colhendo amostras genéticas e realizando exames de ultrassonografia dos baços de membros do povo Bajau e de seus vizinhos terrestres, os Saluan.

Os resultados mostraram claramente que os Bajau têm um tamanho médio de baço 50% maior do que os Saluan. Os baços aumentados foram vistos até nos indivíduos Bajau que não mergulhavam.

Os cientistas, então, eliminaram a possibilidade de que os baços maiores fossem simplesmente uma resposta plástica ao mergulho e passaram a investigar os dados genéticos dos Bajau. Eles descobriram que esse povo tem um gene chamado PDE10A que os Saluan não possuem. Acredita-se que o PDE10A controle os níveis do hormônio tireoidiano T4.

Essa adaptação genética pode aumentar os níveis de tal hormônio da tireoide, o que, consequentemente, aumenta o tamanho do baço. Em pesquisas com ratos, uma alteração genética que eliminou o hormônio tireoidiano T4 levou a uma redução no tamanho do baço.

Esta é a primeira vez que uma adaptação genética ao mergulho foi identificada em seres humanos.

Hipóxia
O estudo também tem implicações para a pesquisa médica.

A resposta ao mergulho humana simula as condições de hipóxia aguda em que o tecido corporal sofre um rápido esgotamento de oxigênio. Essa é uma das principais causas de complicações e mortes nas salas de emergência hospitalares.
Estudar os Bajau poderia efetivamente funcionar como um novo laboratório para entender a hipóxia.

Povos incríveis e ameaçados: valor cultural e científico
Essas descobertas também abrem a possibilidade de mais pesquisas em outras populações nômades marinhas, como o povo tailandês Moken e as mulheres Haenyeo de Jeju, na Coréia do Sul.

Estudar grupos de pessoas semelhantes poderia lançar mais luz sobre a natureza da conexão entre fisiologia humana e adaptações genéticas a estilos de vida extremos.

Essa, aliás, é uma tarefa um tanto urgente, já que formas tradicionais de vida estão sob ameaça em muitas comunidades.

“Este estudo é um exemplo maravilhoso do valor de estudar essas pequenas populações que vivem sob condições extremas”, disse o professor Eske Willerslev, orientador de Ilardo. “Muitas estão ameaçadas e isso não é apenas uma perda cultural e linguística, mas para a genética, medicina e ciências em geral. Ainda há muita informação a ser coletada dessas populações pouco estudadas”. 

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